domingo, 5 de junho de 2011



Vanderley de Brito*

Ingá é um gênero de árvores e arbustos da família das leguminosas que ocorre em todo o Brasil e cujos frutos capsulares se caracterizam por terem sementes embebidas numa massa carnosa e úmida (não raro comestível).
O gênero tem muitas espécies como o Ingá-Açu (Inga cinnamomea), nativa da Amazônia e de cujo fruto, o ingá, é muito apreciado; Ingá-cipó (Inga edulis), cujo fruto é comestível, porém não muito doce; Ingá-cururu (Inga fagifolia), muito dispersa na zona litorânea, e cujo fruto não é utilizável; Ingá-de-fogo (Inga velutina), de madeira dura e útil, e cujo fruto não é aproveitável; Ingá-doce (Inga affinis), de casca tanífera, e cujo fruto gera polpa doce e edule; Ingá-ferradura (Inga sessilis), cujo fruto é muito espesso e recurvado; Ingá-mirim (Inga marginata), de origem amazônica, cujo fruto tem polpa agradável e a madeira é utilizável em carpintaria e obras internas; Ingapeba (Inga ruiziana) da subfamília mimosácea, que habita a Amazônia; Ingá-verde (Inga virescens), de fruto sem valor alimentar e madeira pouco útil; Ingaxixi (Inga alba), árvore da Amazônia cujo fruto e madeira não têm préstimo; e Ingazeira (Inga capuchoi), que vive na região do rio Tapajós e também não tem qualquer utilidade.
Na Paraíba há uma cidade ribeira com topônimo Ingá, talvez porque no passado houvesse um grande ingazeiro na região e, destas espécies, creio que o ingazeiro tenha sido o Inga affinis, que é tipicamente característico de mata ciliar.
O historiador paraibano Coriolano de Medeiros, em seu Dicionário Corográfico, traduz o termo “Ingá” como “cheio d’água”, e esta tradução é a que mais se vê propagada como a real tradução do vocábulo. Contudo, o adjetivo “cheio” - que pode também ser entendido por repleto ou farto – na língua tupi é “abiru, apiru ou apu” e, portanto, com o conectivo “y”, que quer dizer água ou rio, o termo seria “yabiru”; “yapiru” ou “yapu”. E não “Ingá” como sugere o ilustre historiador sem mesmo indicar que critérios que utilizou para a tradução do termo “Ingá” para “cheio d’água”.
Todavia, levando em consideração que a língua tupi freqüentemente se utiliza de afixos pospostos ao radical, se tentarmos formar a palavra por essa regra o termo “cheio d’água” ficaria “y-bora” e não “ingá”. Pois “bora” é o sufixo tupi para dizer “o que contém, o que está cheio de”. Portanto, Ingá significar “cheio d’água” está em total desacordo com os critério lingüísticos do tupi.
Já o emérito historiador paraibano Horácio de Almeida, define “Ingá” como “o que é intumescido”, de “y-igá”, que seria alusivo à polpa do fruto. Entretanto, a palavra tupi que define “intumescido, hidrópico ou aquoso” é “pungá”, que também quer dizer inchado, estufado, podre. Concordo que na língua tupi, por questões eufônicas, algumas palavras ao seguirem outras mudam o fonema inicial, mas o “p” normalmente passa para “mb”, como por exemplo o termo “pó”, que quer dizer “mão”, para dizer mão de mulher (cunhã) muda para “cunhãmbó”. Então não vejo como “pungá” mudaria para “ingá”. Até porque se fosse receber a redundância “y” (pois o termo pungá já é aquoso por si só) de acordo com a regra ficaria “y-mbungá” e não “y-igá” como queria Horácio de Almeida.
A propósito, a partir do século XVIII o termo tupi “pungá” passou a ser utilizado referenciando “pulmão” (talvez já fosse um pronome alusivo ao órgão, que é caracteristicamente inchado, estufado) e o termo entre os tupi mais usual para definir “embebido ou empapado” era o adjetivo “ruru”. Que, diga-se de passagem, não tem nada em comum com o vocábulo “ingá”.
Como se pode perceber, ambos os historiadores que se preocuparam em traduzir o vocábulo “ingá” tiveram por parâmetro a alusão adjetiva ao fruto da ingazeira, se utilizando da aglutinação de sufixos para encontrar um termo que se aproximasse ao vocábulo e que fizesse referência a consistência aquosa do legume em questão. No entanto, os historiadores não atentaram para o fato de que a língua indígena não é tão pobre assim. Pois o tupi tem o substantivo “aputuuma” para definir “miolo ou polpa”, também tem o termo genérico “ypuera” para definir “caldo, sumo ou suco” e ainda dispõe do termo “akyma” para definir “molhado”. Portanto, não seria necessário aos falantes da língua tupi o uso complicado e impreciso dos vocábulos sugeridos pelos historiadores paraibanos para fazer referência ao fruto da ingazeira.
Curioso é que na língua tupi há vocábulos bem semelhantes à “Ingá”, como o termo “inguá ou unguá” que quer dizer “pilão, almofariz” e também tem o verbo “apalpar” que traduz “ungá ou sungá”. Termos que certamente não foram usados como possíveis traduções porque não justificariam os adjetivos do fruto ingá.
Como se vê, não ocorreu a estes tradutores o fato de que, necessariamente, o termo “ingá” ou sua variante “angá” não queira aludir à condição hidrópica do fruto, mas sim um substantivo próprio.
Pois bem, a incumbência de dar nome às coisas não foi prerrogativa única de Adão, como sugere o Velho Testamento. Todas as línguas têm ou tiveram seus substantivos, e na língua tupi o termo que define o fruto aquoso da ingazeira - ou ingaíba como o tupi nomeia a árvore - é ingá, independente de seus adjetivos. A propósito, o termo é tão indicador específico do fruto que as árvores Pithecolobium da família das leguminosas cujos frutos se parecem com o ingá, a exemplo da marizeira (Geoffraea superba), são denominadas de “ingarana”, que quer dizer “pseudo-ingá”.
Portanto, o vocábulo “ingá” é indubitavelmente um substantivo tupi comum aos frutos de todas as vagens das espécies leguminosas do gênero Ingá. Ou seja, “ingá” simplesmente quer dizer “ingá”. O fruto do ingazeiro.


*Historiador, membro da Sociedade Paraibana de Arqueologia.